"Lopes, fiquei ali pensando. Medo do escuro? Já tive, hoje não. Medo de avião? Nenhum. E no entanto eu sinto um medo asfixiante, um medo que não consegui explicar pra Mônica porque não é um medo catalogado, não é assim como um medo de cobra, trovão, sequestro. Eu teria medo de saltar de pára-quedas, eu acho, mas isso nem se compara com o medo que eu sinto de mim.
É como se fosse uma claustrofobia, como se eu fosse uma espécie de elevador. Um elevador enorme, com fundos falsos, alçapões, paredes como as dos filmes do James Bond, que com um toque se abrem e revelam uma biblioteca ou uma sala cheia de armas. Eu me conheço e ao mesmo tempo sei que posso me surpreender a qualquer tempo.
Tenho medo de não conseguir manter minhas idéias, meus pontos de vista, minhas escolhas. A minha cabeça, Lopes, pe como um guarda que não permite que eu estacione em local algum. Eu fico dando voltas e voltas no meu cérebro e quando encontro uma vaga para ocupar, o guarda diz: circulando, circulando... Você está me entendendo? Eu não tenho área de repouso. Raramente desligo, e quando isto acontece, não dá nem tempo deo motor esfriar.
(...) Não chego a temer a loucura, no fundo a gente sabe que ninguém é muito certo. Eu tenho medo é da lucidez. Tenho medo dessa busca desenfreada pela verdade, pelas respostas. Eu me esgoto tentando morder meu próprio rabo. Quando estou acostumando com uma versão de mim mesma, surge outra, cheia de enigmas, e vou atrás dela. Tem gente que elege uma única versão de si próprio e não olha mais para dentro. Esses é que são os lunáticos. Eu, ao contrário, quase não olho pra fora."
Do livro Divã, da Martha Medeiros.
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