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Sobre os dez anos de uma tragédia (Mulher 7x7)

Esse negócio todo de 11 de setembro foi bem cansativo nos últimos dias e ontem eu li um post no Mulher 7x7 que fala tudo o que eu penso sobre a data e o fato. Quis dividir com vocês:

Todas as vítimas do onze de setembro
Martha Mamede Batalha

Trabalho a menos de dois quilômetros de onde ficavam as Torres Gêmeas, mas vou começar este post por um lugar muito mais longe: Fiji. Em 2007, quatro homens apareceram no salão de beleza onde Lydia Qeraniu trabalhava como cabeleleira e ofereceram-lhe uma proposta irrecusável – trabalhar em um hotel luxuoso em Dubai, com um salário cinco vezes maior do que ela fazia em Fiji. O avião para Dubai sairia em poucos dias, ela só teria que entregar seu currículo, passaporte, passar por exames médicos e pagar 500 dolares para uma firma de recursos humanos local. Assim como Lydia, outras mulheres receberam a mesma proposta. Elas estavam tão animadas com a possibilidade de mudança que não conferiram que o visto em seus passaportes não era de trabalho, mas passes para estar no país por 30 dias. Elas também não sabiam que Dubai seria apenas a primeira parada. O destino final eram as bases militares americanas no Iraque e Afeganistão.

Lydia faz parte dos 70 mil profissionais recrutados em países do Terceiro Mundo e que hoje trabalham nas bases militares americanas no Oriente Médio. Eles são selecionados por empresas locais, contratadas pelo Pentágono. Quando chegam, descobrem que vão ganhar bem menos do que o combinado, têm seus passaportes confiscados e são mantidos em condições sub-humanas de trabalho. A Lydia foi prometido um salário entre 1500 e 3800 dólares. Na realidade, o contrato de trabalho, lhe dava um salário de 350 dólares por mês para trabalhar sete dias por semana, 12 horas por dia. As férias seriam a passagem de volta para seu país, depois de terminar o contrato.

Alguns meses depois de começar a trabalhar no Iraque, Lydia foi violentada por um supervisor. Ela foi encontrada pela repórter que escrevia a reportagem sobre ela e outros trabalhadores em bases militares chorando em posição fetal, no chão do seu quarto. Segundo Lydia, o sexo não consensual se tornou rotina.

Estas informacoes estavam em um artigo da revista New Yorker, do dia 6 de junho deste ano, escrito por Sarah Stillman. Eu li a reportagem algumas semanas depois da publicação, em cima de um aparelho elíptico. Queria apenas estar em dia com as minhas leituras. Mas, quando terminei o artigo, me dei conta de que nas semanas que separavam a publicação do momento em que eu lia a reportagem eu não havia escutado qualquer repercussão, em nenhuma outra mídia, sobre o que eu achava serem acusações extremamente graves. Tive vontade de sair do aparelho e correr pela rua, revista em punho, gritando: Você viu o que está escrito aqui? Os americanos não podem tratar gente humilde como fralda descartável!

Se eu havia entendido direito, os Estados Unidos estavam no Afeganistão para terminar com o grupo terrorista Al-Qaeda, que havia violado direitos humanos nos ataques de 11 de Setembro, e para terminar com este regime ele violava direitos humanos de pessoas humildes, subcontratando profissionais de Terceiro Mundo para trabalhar nas bases em condições semi-escravas.

Para mim foi inevitável não fazer a ligação da reportagem com o aniversário de 11 de Setembro.

Nos últimos dias, em Nova York, o 11 de Setembro é como aquela música que não sai do fundo do pensamento. Aquela que a gente cantarola sem querer. Nestes dias, todo mundo pensa que tem que pegar o metrô, parar pra almoçar, cortar as unhas, mandar um email, e que o 11 de Setembro aconteceu. A extensiva e detalhada cobertura da mídia relembra os mortos e heróis, mas muito pouco é dito sobre o que causou o ataque, e menos ainda sobre o que é preciso fazer para evitar outro. Aqui e ali foi feita a pergunta Por que os outros nos odeiam?, mas não foram tomadas medidas, ou levantadas discussões, sobre o que é preciso fazer para os outros pararem de odiar.

Subcontratar trabalhadores do Terceiro Mundo através do Pentágono, explorá-los e mandá-los pra casa depois de rôtos não vai aumentar o fã-clube dos americanos pelo mundo. E, na lista das Pessoas que Odeiam os Estados Unidos Muito Mesmo, e que podem vir a apoiar ataques ao país no futuro, podemos acrescentar os familiares dos dois mil trabalhadores do Terceiro Mundo mortos em bases militares, e os cinquenta e um mil que foram feridos e mandados para casa sem benefícios desde 2001, de acordo com a mesma reportagem da New Yorker.

Este é só um exemplo de tantos outros que aumentam o ódio mundial aos americanos. Sobra pra mim, que vim parar neste país por casualidade, e que nestes dias sinto a tensão de andar de metrô. E tenho na gaveta do trabalho um kit para usar caso aconteça um ataque terrorista, com lanterna, água, máscara e barras energéticas.

Talvez eu tenha uma visão mais global sobre o 11 de Setembro porque venha de outra cultura. É uma visão mais crítica, mas de forma alguma de ódio aos americanos. Este é um país incrível, generoso com as pessoas que estão em seu território, criativo, empreendedor, correto em tantas coisas. Mas parece que aqui existe o que há de melhor, e o que há de pior. Eu não consigo pensar só no que aconteceu aqui, mas no que aconteceu, acontece e acontecerá no resto do mundo como causa e conseqûencia dos ataques terroristas aos Estados Unidos.

É por isso que, no 11 de Setembro, eu penso nos 2,996 mortos dos atentados, e no mais de um milhão de civis mortos na guerra do Vietnam. Eu penso nos 1300 órfãos do ataque às Torres Gêmeas, e nos 5 milhões de órfãos da guerra do Iraque. Eu penso na tristeza dos americanos, e na tristeza dos chilenos, que há 38 anos no dia 11 de Setembro, perderam Salvador Allende assasinado num golpe militar – apoiado pelos Estados Unidos.

Há muitos mais mortos no meu 11 de Setembro. Destes mortos, 2,996 receberam obituários e biografias no New York Times, e milhões foram enterrados como indigentes, ou não enterrados, tendo simplesmente desaparecido da vida e da memória, porque faziam parte da história dos vencidos, e não da história dos vencedores.

Pra mim, o 11 de Setembro é um dia muito, muito mais triste.

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