Pular para o conteúdo principal

O medo do Amor

Medo de amar? Parece absurdo, com tantos outros medos que temos que enfrentar: medo da violência, medo da inadimplência, e a não menos temida solidão, que é o que nos faz buscar relacionamentos. Mas absurdo ou não, o medo de amar se instala entre as nossas vértebras e a gente sabe por quê.

O amor, tão nobre, tão denso, tão intenso, acaba. Rasga a gente por dentro, faz um corte profundo que vai do peito até a virilha, o amor se encerra bruscamente porque de repente uma terceira pessoa surgiu ou simplesmente porque não há mais interesse ou atração, sei lá, vá saber o que interrompe um sentimento, é mistério indecifrável. Mas o amor termina, mal-agradecido, termina, e termina só de um lado, nunca se encerra em dois corações ao mesmo tempo, desacelera um antes do outro, e vai um pouco de dor pra cada canto. Dói em quem tomou a iniciativa de romper, porque romper não é fácil, quebrar rotinas é sempre traumático. Além do amor existe a amizade que permanece e a presença com que se acostuma, romper um amor não é bobagem, é fato de grande responsabilidade, é uma ferida que se abre no corpo do outro, no afeto do outro, e em si próprio, ainda que com menos gravidade.

E ter o amor rejeitado, nem se fala, é fratura exposta, definhamos em público, encolhemos a alma, quase desejamos uma violência qualquer vinda da rua para esquecermos dessa violência vinda do tempo gasto e vivido, esse assalto em que nos roubaram tudo, o amor e o que vem com ele, confiança e estabilidade. Sem o amor, nada resta, a crença se desfaz, o romantismo perde o sentido, músicas idiotas nos fazem chorar dentro do carro.

Passa a dor do amor, vem a trégua, o coração limpo de novo, os olhos novamente secos, a boca vazia. Nada de bom está acontecendo, mas também nada de ruim. Um novo amor? Nem pensar. Medo, respondemos.

Que corajosos somos nós, que apesar de um medo tão justificado, amamos outra vez e todas as vezes que o amor nos chama, fingindo um pouco de resistência mas sabendo que para sempre é impossível recusá-lo.

(Martha Medeiros)

Comentários

  1. "Tudo é dor e toda dor vem do desejo de não sentirmos dor..."

    ResponderExcluir
  2. Mas e quando não acaba? Mas deixa-se isolado o sentimento, guardado em uma caixinha, na esperança de abrí-la um dia?

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Séries: Reunion

Você se sentiria empolgado pra ver uma série previamente sabendo que ela foi cancelada e não teve um final? Então, eu faço dessas. Ou melhor, fiz pela primeira vez, e com Reunion. E, no geral, valeu a pena. A série foi transmitida originalmente nos EUA entre 2005 e 2006. Foram filmados 13 episódios mas só 9 passaram por lá, sendo que os outros 4 foram transmitidos nos países que, posteriormente, compraram a série. A história começa em 1986, com a formatura do ensino médio de seis amigos inseparáveis. Ao mesmo tempo, é mostrado que, em 2005, um dos amigos foi assassinado - quem? Só saberemos no capítulo 5, de forma surpreendente - e os outros cinco amigos são suspeitos. Cada episódio tem como título um ano - foram de 1986 a 1998 - e vamos vendo como anda a amizade dos seis, algumas vezes se tornando mais forte, em outras parecendo regredir. Eu achei muito bacana não ser revelado de cara quem morreu. Vamos vendo, em cada episódio, um dos amigos vivos aparecer nos temp

A noite em que os hotéis estavam cheios - Moacyr Scliar

(3ª postagem do dia) O casal chegou à cidade tarde da noite. Estavam cansados da viagem; ela, grávida, não se sentia bem. Foram procurar um lugar onde passar a noite. Hotel, hospedaria, qualquer coisa serviria, desde que não fosse muito caro. Não seria fácil, como eles logo descobriram. No primeiro hotel o gerente, homem de maus modos, foi logo dizendo que não havia lugar. No segundo, o encarregado da portaria olhou com desconfiança o casal e resolveu pedir documentos. O homem disse que não tinha, na pressa da viagem esquecera os documentos. — E como pretende o senhor conseguir um lugar num hotel, se não tem documentos? — disse o encarregado. — Eu nem sei se o senhor vai pagar a conta ou não! O viajante não disse nada. Tomou a esposa pelo braço e seguiu adiante. No terceiro hotel também não havia vaga. No quarto — que era mais uma modesta hospedaria — havia, mas o dono desconfiou do casal e resolveu dizer que o estabelecimento estava lotado. Contudo, para não ficar mal, resolveu dar um

Poema XX - Pablo Neruda

Pablo Neruda é, acredito, o poeta hispano-americano mais conhecido no Brasil, seja por sua poesia, seja pelo filme O carteiro e o poeta . Seu livro mais conhecido, Veinte poemas de amor y una canción desesperada, foi publicado quando ele tinha só 20 anos e hoje lemos o último poema de amor, o XX, na aula de Literatura Hispano-Americana. Éramos poucos na sala e terminamos a leitura comovidos. A Vikki disse que se houvesse mais dois versos ela teria chorado e não foi exagero. Quem nunca perdeu um amor? Quem não sabe como isso realmente dói? "Puedo escribir los versos más tristes esta noche. Escribir, por ejemplo: 'La noche está estrellada, y tiritan, azules, los astros, a lo lejos.' El viento de la noche gira en el cielo y canta. Puedo escribir los versos más tristes esta noche. Yo la quise, y a veces ella también me quiso. En las noches como ésta la tuve entre mis brazos. La besé tantas veces bajo el cielo infinito. Ella me quiso, a veces yo también la quería. Cómo no habe