"(...)
Não sei já o que sou, nem o que faço, nem o que quero. Espedaçam-me impulsos desencontrados. Alguém poderá imaginar um estado tão lastimoso? Amo-te doidamente e quero-te também que nem me atrevo a desejar que em ti se renovem arrebatamentos iguais aos meus. Morria ou acabaria por morrer de mágoas se estiver certa de que não podias ter descanso, que a tua vida era só desassossego e desvairo, que passavas o tempo a chorar e que tudo te causava desgosto. Se mal posso com as minhas penas, como agüentaria a dor de ver as tuas, que sinto mil vezes mais?
Apesar de tudo não tenho ânimo para desejar que não me tragas no pensamento. E, para falar com franqueza, tenho ciúmes pavorosos de quanto possa dar-te contentamento e diz respeito ao teu coração, e do que te cause agrado em França.
Não sei por que te escrevo. Vejo bem que só te mereço compaixão e não quero a tua compaixão. Desprezo-me a mim mesma quando considero em tudo o que te sacrifiquei. Perdi a reputação, provoquei as iras dos meus, os rigores das leis deste Reino para com as freiras e a tua ingratidão que me parece o pior de todos os males.
E sem embargo sinto que os meus remorsos não são verdadeiros, que do íntimo do coração desejava ter corrido, por amor de ti, perigos ainda maiores e que é para mim um funesto prazer haver arriscado por ti a vida e a honra. Não devia eu dar-te o que tivesse de mais valioso? E não é justa a minha satisfação por ter procedido como procedi? Afigura-se-me que ainda não estou bastante satisfeita com os meus desgostos nem com o meu demasiado amor, embora não possa, ai de mim, iludir-me bastante para estar contente contigo.
Vivo ainda, pérfida que sou, e faço tanto para conservar a vida como para a perder. Ai, morro de vergonha! Mas então este desespero só é verdadeiro nas minhas cartas? Se te amasse tanto como te tenho dito mil vezes, não era para estar morta há muito tempo? Enganei-te e afinal de contas és tu quem tem razão de queixa contra mim. Ai, por que não te lamentas, meu bem?
(...)”
Sóror Mariana Alcoforado - Trecho da terceira carta.
Não sei já o que sou, nem o que faço, nem o que quero. Espedaçam-me impulsos desencontrados. Alguém poderá imaginar um estado tão lastimoso? Amo-te doidamente e quero-te também que nem me atrevo a desejar que em ti se renovem arrebatamentos iguais aos meus. Morria ou acabaria por morrer de mágoas se estiver certa de que não podias ter descanso, que a tua vida era só desassossego e desvairo, que passavas o tempo a chorar e que tudo te causava desgosto. Se mal posso com as minhas penas, como agüentaria a dor de ver as tuas, que sinto mil vezes mais?
Apesar de tudo não tenho ânimo para desejar que não me tragas no pensamento. E, para falar com franqueza, tenho ciúmes pavorosos de quanto possa dar-te contentamento e diz respeito ao teu coração, e do que te cause agrado em França.
Não sei por que te escrevo. Vejo bem que só te mereço compaixão e não quero a tua compaixão. Desprezo-me a mim mesma quando considero em tudo o que te sacrifiquei. Perdi a reputação, provoquei as iras dos meus, os rigores das leis deste Reino para com as freiras e a tua ingratidão que me parece o pior de todos os males.
E sem embargo sinto que os meus remorsos não são verdadeiros, que do íntimo do coração desejava ter corrido, por amor de ti, perigos ainda maiores e que é para mim um funesto prazer haver arriscado por ti a vida e a honra. Não devia eu dar-te o que tivesse de mais valioso? E não é justa a minha satisfação por ter procedido como procedi? Afigura-se-me que ainda não estou bastante satisfeita com os meus desgostos nem com o meu demasiado amor, embora não possa, ai de mim, iludir-me bastante para estar contente contigo.
Vivo ainda, pérfida que sou, e faço tanto para conservar a vida como para a perder. Ai, morro de vergonha! Mas então este desespero só é verdadeiro nas minhas cartas? Se te amasse tanto como te tenho dito mil vezes, não era para estar morta há muito tempo? Enganei-te e afinal de contas és tu quem tem razão de queixa contra mim. Ai, por que não te lamentas, meu bem?
(...)”
Sóror Mariana Alcoforado - Trecho da terceira carta.
Lembro-me de quando vc me recomendou esse livro... Nunca o achei...
ResponderExcluirO meu veio direto de Portugal (desculpa, tá? rsrs). O mais fácil é encontrar em sebos... ou em sites (de sebos ou livrarias mesmo).
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